“E aí, mano. Se liga nas ideia e deixa de ser vacilão. Depois dos corre, vamo bater um rango e chapar o coco? Mas nessa você me cobre, porque hoje tô quebrado!”.
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“Aí! Os alemão vieram do asfalto, entraram na comunidade, pegaram o arrego e ainda deram esculacho! Geral ficou bolada”.
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“Oxe, não me arrete, não, vu? Bora que depois do baba eu vô me picar pra quebradeira e comer água dura!”.
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(Frases, expressões e gírias faladas em periferias de grandes cidades brasileiras. Saberia dizer de onde são?)
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A forma de se expressar verbalmente, ou seja, de falar, pode ou não dizer muito sobre uma pessoa: Quem ela é? O que profissionalmente ela faz? De onde ela vem? De modo geral, pode-se dizer que a língua permite que pessoas, mesmo que estranhas umas às outras, conheçam-se, troquem informações, relacionem-se. Assim, a forma de se comunicar cumpre um papel fundamental na construção da vida em sociedade, qualquer que seja o lugar, permitindo que conhecimentos, ideias e todo tipo de trocas culturais e simbólicas possam ocorrer.
Entretanto, apenas a necessidade de as pessoas falarem um mesmo idioma (como o português, inglês, espanhol, ou o mandarim, por exemplo) não é o suficiente para que a comunicação entre elas ocorra plenamente, sem entraves. A língua é uma construção social e dinâmica, transforma-se ao longo do tempo e submete-se a variações, segundo os lugares, a idade das pessoas e sua condição social. Afinal, caro leitor, quantas vezes já se deparou com palavras novas, gírias, ou expressões que, mesmo sendo ditas em português, não faziam sentido algum para você?
No mundo atual, marcado por intensas inovações tecnológicas, rápida circulação de informações e contato constante com idiomas estrangeiros (sobretudo o inglês), tornou-se comum nos depararmos com expressões e palavras desconhecidas, que precisam de “tradução”, pois, a princípio, para nós não fazem muito sentido, ainda que, posteriormente, sejam incorporadas e repetidas em nossas falas cotidianas.
Os lugares, isto é, os diferentes contextos socioterritoriais são realidades privilegiadas para observarmos as criações e mudanças nas formas de falar e se expressar. Eles são responsáveis por produzir suas próprias “versões” do idioma falado em um país. A partir da maneira como alguém verbalmente se expressa, entoa as palavras e apresenta seu vocabulário é comum que se remeta à origem dessa pessoa: o lugar onde vive, a classe social a qual pertence, a cultura que lhe identifica.
Certamente, a língua é um elemento fundamental da construção e definição da identidade (social, cultural e territorial) de um grupo, e os lugares são espaços de mudança, adaptação e criação de palavras e de formas de falar. Assim, não raramente, é somente nesses contextos, e no interior de determinados grupos sociais, que certas palavras, expressões, gírias e seus particulares significados assumem sentido; sentidos atribuídos pelo lugar e pelas pessoas que nele vivem.
Entretanto, muitas dessas formas de falar e se expressar produzidas em regiões ou lugares específicos, tais como favelas, subúrbios e periferias urbanas, não são bem aceitas por parcela considerável da sociedade. Estigmatizadas, as “linguagens das periferias”, com suas palavras novas, gírias e expressões originais, são objetos constantes de discriminação, sendo com recorrência alvos de uma forma específica de preconceito: o preconceito linguístico.
Esse tipo de preconceito se define como um processo de desqualificação de um indivíduo ou grupo social em razão da forma como falam ou se expressam, formas essas consideradas incorretas ou inapropriadas, pois frequentemente apresentam-se em desconformidade com a chamada “norma padrão” da língua oficial do país.
Tal maneira de desqualificação de um grupo social em função da forma como este se expressa, constitui-se também em uma maneira de inferiorizá-lo, produzindo ou perpetuando uma hierarquização social na qual quem deve ser ouvido e merece atenção são apenas aqueles que falam “corretamente”, isto é, que são capazes de seguir um padrão específico de gramática e linguística formalmente estabelecidos.
Essa postura discriminatória desconsidera o próprio caráter histórico e geograficamente dinâmico e flexível da língua, além ainda de não se atentar ao papel que as desigualdades sociais exercem no acesso à educação escolar e ao letramento em nosso país. Ademais, cabe questionar: se aquele que fala é compreendido por quem escuta, isso não significa que a língua, com todas as suas adaptações, novidades e transformações cumpriu com o papel que dela se espera, isto é, possibilitou a comunicação e as trocas entre as pessoas?
- Leituras sugeridas
BAGNO, Marcos. Preconceito lingüístico: o que é, como se faz. São Paulo: Loyola, 2002.
- Sobre o(s) autor(es)
Ítalo é graduando em Pedagogia pelo Instituto Multidisciplinar da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, enquanto Francisco é Professor do Departamento de Geografia do Instituto Multidisciplinar da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.