“Revitalizações” urbanas: para além do embelezamento das cidades

Museu do Amanhã, Zona portuária da Cidade do Rio de Janeiro.

Ao fazer uma breve análise sobre as principais formas de planejamento das cidades brasileiras e mundiais, constata-se cada vez mais a existência dos projetos de “re-…” (requalificação, renovação, refuncionalização), sendo o mais famoso o de revitalização urbana. Concomitantemente a imposição desses projetos, ascendem-se muitos questionamentos: quais são suas características gerais e os principais impactos para a estrutura urbana e aos habitantes das cidades por eles contemplados.

As revitalizações podem ser definidas como planos urbanos caracterizados por ações pontuais e direcionadas ao embelezamento paisagístico, sendo o tipo mais recorrente entre os programas associados ao chamado “Planejamento Estratégico”. Trata-se da intervenção em áreas urbanas degradadas, especialmente os centros históricos, mediante a recuperação de patrimônios históricos em conjunto com a imposição de uma nova dinâmica econômica, social e cultural ao local.

As mudanças em locais específicos da cidade não se limitam a estrutura urbana, já que também influenciam no preço dos imóveis e nas funções desenvolvidas no local, ocasionando o aumento do custo de vida. Nesse contexto, quando não acompanhadas de ações de cunho social – como políticas habitacionais de interesse social – as revitalizações podem gerar alterações quanto as classes sociais que se apropriam da área, seja para moradia ou para o comércio e serviços.  Via-de-regra, ocorre a substituição da população mais pobre pela de maior poder aquisitivo: processo esse denominado de gentrificação.

A existência e ampliação da gentrificação fomenta a consolidação de outro problema urbano: a segregação socioespacial. Assim, passa-se a conferir a cada habitante um lugar na cidade, isso porque é o poder aquisitivo de cada pessoa que vai definir a área da cidade em que ela pode morar. Por isso, percebemos a existência de bairros de ricos, pobres e classe média, fato esse visível pelas condições e tipos de construções e pela presença ou ausência de equipamentos urbanos essenciais para a reprodução da vida.

Zona portuária de Barcelona, Espanha.

Chama a atenção que a gentrificação de hoje – originada principalmente pelos projetos de revitalizações urbanas – não se caracteriza como um fenômeno espontâneo das cidades. Na verdade, o processo faz parte de políticas urbanas pensadas e realizadas para transformar algumas áreas específicas das cidades. Tudo isso num cenário de competição entre as cidades que almejam a conquista de novos investimentos e consumidores.

A estratégia de retomada de investimentos em uma área da cidade depende das parcerias público-privadas. O passo inicial é feito pelo poder público, responsável por readquirir o interesse em centros históricos abandonados por meio de ações de melhorias paisagísticas e, muitas vezes, incentivos fiscais. Posteriormente, conta-se com a chegada de empresas privadas, que são estimuladas a se fixarem nessas áreas com o intuito de criar um dinamismo econômico, cultural e social, estimulando o turismo e a formação de um circuito cultural dotado de museus, galerias de arte, bares, restaurantes e cafés. Não à toa, opta-se normalmente pelos centros históricos, locais que sintetizam os valores culturais das cidades.

A imposição de novos usos e funções aos fragmentos urbanos contemplados pelas revitalizações faz parte de uma estratégia urbana articulada e global. São várias as cidades que definem esse tipo de projeto como o mais relevante para o seu progresso. Pode-se afirmar que a gênese dos planos de revitalização ocorreu em Baltimore (EUA), na década de 1970, onde as transformações urbanas caminhavam para a formação de um espetáculo urbano, focando na melhoria da paisagem urbana acompanhada de transformações socioespaciais.

Tal modelo foi se espalhando para outras cidades dos EUA e do mundo, como em Barcelona, Bilbao, Nova Iorque, Buenos Aires e Paris. O caso de Barcelona chama a atenção pelo amplo reconhecimento global; a cidade passou por grandes reformulações para sediar os Jogos Olímpicos de 1992, sobretudo quanto as melhorias de infraestrutura representada pela modernização de sua área portuária.

Centro histórico de Salvador, Bahia.

No Brasil a cidade do Rio de Janeiro foi uma das precursoras na adoção dos programas de revitalizações urbanas. Com influência direta dos planejadores de Barcelona, a cidade incorporou ações de retomada de investimentos em seu centro histórico no início dos anos 1990. Na última década, sob influência dos Jogos Olímpicos Rio 2016, criou-se o seu maior projeto de revitalização: o Porto Maravilha. Cidades como São Luís, Salvador, Curitiba, Santos, São Paulo, Fortaleza também estabeleceram inúmeros programas de revitalização no decorrer das últimas décadas. Aliás, é difícil pensar em uma cidade brasileira – metrópole ou cidade média – que não tenha adotado programas de revitalização, independentemente da região (Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul).

Para finalizar, é importante destacar que revitalização não é sinônimo de gentrificação, ou vice-versa, mas que são fenômenos interrelacionados. Entretanto, quando os programas de revitalizações urbanas não são acompanhados de políticas de interesse social, pode-se assistir a uma grande reformulação no público que passa a se beneficiar das mudanças incorporadas ao espaço urbano. Desse modo, uma política de revitalização que seja inclusiva, deve também admitir e criar condições para que diferentes classes sociais e múltiplos usos do espaço urbano sejam possibilitados nas áreas que tornaram-se objeto de intervenção do poder público. De outra maneira, caso tal princípio não seja adotado, tende-se a forçar a saída da população pobre para áreas mais periféricas e/ou degradadas das cidades, onde passarão a conviver, novamente, com a escassez de equipamentos urbanos essenciais para a reprodução de suas vidas.

  • Leituras sugeridas

ARANTES, O; VAINER, C. B; MARICATO, E. A cidade do pensamento único: desmanchando consensos. Petrópolis: Vozes, 2000.

BIDOU-ZACHARIASEN, C. De volta a cidade: dos processos de gentrificação às políticas de “revitalização” dos centros urbanos. Coordenado por Catherine Bidou-Zachariesen com a colaboração de Daniel Hiernaux-Nicolas e Hélène Rivère d’Arc – São Paulo: Annablume, 2006. 294p.

COMITRE, F.  Processo de revalorização da cidade de Santos-SP: O alegra centro e espaços de resistência. 2013. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), Rio Claro/ RJ, 2013.

SÁNCHEZ, F. A reinvenção das cidades para um mercado mundial. Chepecó: Argos, 2003.

  • Sobre o autor

Felipe é Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná (IFPR), campus Pinhais.

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